Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Rodolfo Monteiro de Sousa[1]
Co-autora Maressa Saldanha[1]
No Brasil, por força do artigo 1º, da Lei nº. 9.970[2], de 17 de maio de 2000, 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, oportunidade em que são promovidas inúmeras campanhas para a conscientização da população.
Atendendo ao pedido feito pelos representantes das 68[3] (sessenta e oito) instituições participantes do 1º Encontro do ECPAT (End Child Prostitution in Asian Tourism), ocorrido no dia 19/12/1998, em Salvador/BA, no dia 16/3/1999[4], a então deputada federal Rita Camata apresentou o projeto nº. 267/1999-A que originou a Lei nº. 9.970/2000.
Quando da apresentação do projeto, a deputada federal Rita Camata advogou a tese de que a criação de um dia oficial de combate ao abuso e à exploração sexual seria uma forma de sensibilizar a população quanto ao tema, o que poderia contribuir não só para a prevenção desses crimes, mas, também, para diminuir a impunidade.
Segundo consta do projeto, a data de 18 de maio foi a escolhida para prestar homenagem à criança Araceli Cabrera Sanches Crespo, desaparecida nesse mesmo dia no ano de 1973.
Com oito anos de idade à época dos fatos, Araceli, encontrada somente 6 (seis) dias após seu desaparecimento, foi raptada, drogada, estuprada, morta e teve seu corpo carbonizado. Os suspeitos de envolvimento no crime, pertencentes a família de classe média do estado do Espírito Santo, foram condenados. Contudo, a sentença foi anulada e o caso arquivado[5].
Com intuito de efetivar o disposto no artigo 227, § 4º[6], da Constituição Federal de 1988, o artigo 244-A, inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº. 8.069, de 13 de julho de 1990) pela Lei nº. 9.975/2000, previa, originariamente, apenas pena de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos a quem submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual.
A Lei nº. 13.440/2017[7] acrescentou no referido artigo 244-A a sanção de perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da Federação (Estado ou Distrito Federal) em que foi cometido o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé.
Essas penas são aplicadas ao proprietário, gerente ou responsável pelo local em que se verifique a submissão da criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual (art. 244-A, § 1º). Não bastasse isso, o dispositivo ainda prevê a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento como consectário indissociável da condenação (art. 244-A, § 2º).
A Lei nº. 13.431/2017, de 4 de abril de 2017[8], define o abuso sexual como “toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro” (artigo 4, inciso III, alínea a).
A exploração sexual comercial, nos termos do artigo 4, inciso III, alínea b, da referida Lei nº. 13.431/2017, refere-se ao “ uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico”.
A despeito das iniciativas voltadas ao enfrentamento e das penas em que podem incorrer, o número de casos de abusos e exploração sexual é alarmante, justificando, assim, a necessidade de amplo debate em torno da questão.
Com efeito, segundo estudo realizado e divulgado pelo Ministério da Saúde[9], nos anos de 2011 a 2017, foram notificados ao Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN) 58.037 (cinquenta e oito mil e trinta e sete) casos de violência sexual cometidos contra crianças e 83.068 (oitenta e três mil e sessenta e oito) contra adolescentes.
O que causa preocupação não é só o número expressivo de casos, mas também a constatação de que, segundo este estudo, a violência sexual acontece, na maioria das vezes, no ambiente familiar, geralmente por parentes, e nas escolas, espaços em que as crianças e adolescentes deveriam ser mais protegidas[10].
Todas as leis criadas servem para punir o agressor sexual infantil e principalmente proteger as vítimas e prevenir novam vitimizações.
Sob a ótica da psicologia, as marcas deixadas nas vítimas de abuso sexual infantil podem ser profundas e duradouras. Nem sempre estas marcas podem ser vistas em seus corpos, mas suas personalidades, comportamentos, relacionamentos deixam evidenciado que as cicatrizes emocionais não se curaram tão facilmente.
Por mais que as estatísticas mostrem números assustadores sabe-se que não corresponde a realidade total das vítimas. Há uma subnotificação muito grande quanto à agressão sexual infanto-juvenil, seja no abuso domestico ou na prostituição de menores.
No caso do abuso sexual intrafamiliar a vítima esconde a violência sofrida, muitas vezes durante toda a sua vida. Seja por ter sido seduzida ou ameaçada, pelo agressor, por se sentir envergonhada, humilhada ou suja, pelo medo de ser desacreditada ou desmentida, a verdade é que poucas são as vítimas que contam sobre o abuso sofrido. [11],
Além do segredo guardado pela criança ou adolescente, é comum que nos casos de abuso sexual infantil intrafamiliar, a família também oculte o abuso o que faz com que a vítima se sinta desprotegida, pois além da agressão sofrida sofre com a negligência e desamparo. Por mais que haja a interrupção do abuso sexual há uma imposição da presença do agressor em sua vida cotidiana, fazendo com que as lembranças do trauma vivenciado se mantenham presentes. [12]
Passar pela experiência do Abuso sexual quase sempre resulta em consequências traumáticas bastante sérias, afetando o desenvolvimento tanto cognitivo quanto emocional, afetivo e social da criança ou do adolescente. As consequências negativas podem perdurar ao logo de toda vida do sujeito vitimado caso não sejam adequadamente tratadas. [13]
Muitas são as possíveis consequências para a vítima de abuso sexual infantil. Podemos citar lesões, hematomas, gestação, DST’s, desconfiança extrema, reedição da situação traumática, sentimento de culpa, vergonha, baixa autoestima, medo de intimidade sexual, hipersexualização, prostituição, dependência química, depressão, ansiedade generalizada, fobias diversas, transtorno de estresse pós-traumático, síndrome do pânico, transtornos alimentares, entre outros.[14]
As consequências não podem ser generalizadas, os impactos do trauma vão depender da idade do sujeito quando da sua vitimização, do tipo de abusos sexual, da forma de imposição do abuso (sedução, chantagem ou agressão), da relação vítima-agressor, da frequência dos abusos, do tempo que estes perduraram, do acolhimento recebido quando da descoberta do abuso, do tratamento psicológico recebido. [15]
A notificação compulsória da violência contra a criança e o adolescente serve como instrumento para que agentes da rede de cuidados e proteção da criança e do adolescente garantam os direitos e proteção social destes. Também possibilita aos profissionais da educação, da saúde, da assistência social, dos conselhos tutelares e da justiça, tornar viável o cuidado às vítimas da violência. Notificar é compartilhar a responsabilidade de proteger a criança e o adolescente com todos os setores da sociedade. Quando todos os setores que integram a rede de cuidado da criança e do adolescente cumprem com seu dever de comunicar a violência adequadamente, a equipe de profissionais que acompanham os casos de violência tem a chance de agir, fazendo um trabalho efetivo. [16]
Quais órgãos devem ser acionados em caso de suspeita ou notícia de crime sexual contra crianças e adolescente?
Acione o Conselho Tutelar competente; acesse os canais de denúncia: Disque 100, Disque 181; procure a Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente; a Polícia Militar; Polícia Civil; a Polícia Federal (em caso de crimes internacionais e interestaduais) e/ou a Polícia Rodoviária Federal (em caso de crimes nas rodovias federais).
[1] Rodolfo Monteito de Sousa – Bacharel em Direito pela Faculdade Santa Cruz de Curitiba, advogado inscrito na OAB seccional do Paraná sob nº. 84.553, membro da Comissão da Criança e do Adolescente;
Maresa Saldanha – Bacharel em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e pós-graduanda em Psicologia pela mesma instituição. Atua como psicóloga clinica (CRP 08/28378) e pesquisadora na área de abuso sexual infantil.
[2] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9970.htm, acesso em 19 de abr de 2019;
[3] No corpo do texto do projeto, é possível visualizar a existência de divergência quanto ao número de instituições participantes do evento. Em determinado momento é apontado o número 55, em outro, no entanto, aparece o número 68.
[4] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=66F16219642C0C284703FB1D2F6308AB.proposicoesWebExterno1?codteor=1127781&filename=Dossie+-PL+267/1999 , acesso em 19 de abr de 2019;
[5] Disponível em http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/05/morte-de-araceli-faz-42-anos-e-crime-continua-impune-no-es.html, acesso em 20 de abr de 2019;
[6] Art. 227, § 4º: “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm , acesso em 20 de abr de 2019;
[7] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13440.htm, acesso em 21 de abr de 2019;
[8] A Lei nº. 13.431, de 4 de abril de 2017, em seu inciso III, define a violência sexual como gênero de que são espécies o abuso e a exploração. Disponível em http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm , acesso em 20 de abr de 2019;
[9] Disponível em http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf , acesso em 20 de abr de 2019
[10] Disponível em http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf , acesso em 20 de abr de 2019;
[11] SANTOS, S. S. DELL’AGLIO, D. D. O Processo de Revelação do Abuso Sexual na Percepção das Mães. Psicologia: Teoria e Prática: São Paulo, 2013.
[12] OLIVEIRA, Kátia de. Abuso sexual infantil e as consequências na vida adulta da mulher. São Paulo, 2013. Disponível em <https://pt.scribd.com/doc/225644815/Abuso-Sexual-Infantil-e-as-ConsequenciasNa-Vida-Adulta-Da-Mulher> Acesso em 19/09/2017
[13] OLIVEIRA
[14] SCHAEFER, L. S. ROSSETTO, S. KRISTENSEN, C. H. Perícia Psicológica no Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa: Porto Alegre, 2012. Disponível em: <https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/428>
[15] SANTOS, B. R. Guia de referência: construindo uma cultura de prevenção à violência sexual/ Benedito Rodrigues dos Santos, Rita Ippolito. — São Paulo : Childhood – Instituto WCF-Brasil : Prefeitura da Cidade de São Paulo. 20
[16] ASSIS, S. G. de, Avanci, J. Q., Pesce, R. P., Pires, T. de O., Gomes, D. L. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 17(9):2305-2317, 2012.