O Dia Mundial contra o Trabalho Infantil

 

O Dia Mundial contra o Trabalho Infantil

 

Maria Eduarda Barletta Doria Guimarães[1]

 

            O dia 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002, momento em que foi apresentado o primeiro relatório global sobre o trabalho infantil na Conferência Anual do Trabalho. Desde então, a OIT convoca a sociedade, os trabalhadores, os empregadores e os governos do mundo todo a se mobilizarem contra o trabalho infantil.

            No Brasil, o dia 12/06 foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil pela Lei Nº 11.542/2007. As mobilizações e as campanhas anuais são coordenadas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), criado em 1994, cujo objetivo é discutir propostas e definir estratégias – entre governo e sociedade civil – sobre questões envoltas à temática do trabalho infantil.

            A temática, que já guardava seu elevado grau de importância, ganhou destaque, em 2020, em função da pandemia do coronavírus e dos impactos que vem sendo causados às mais diversas esferas da sociedade, os quais já estão sendo sentidos também – e principalmente – pelas crianças e adolescentes. Por esta razão, neste ano, a Campanha do dia 12 de junho se apresenta sob o slogan “Covid-19: agora, mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”.

            Com o objetivo de alertar a população sobre o risco de crescimento do trabalho infantil, especialmente em razão dos impactos gerados pela pandemia do novo coronavírus, a campanha – de iniciativa conjunta da OIT, do MPT, da Justiça do Trabalho e do FNPETI – teve início no dia 03 de junho e contará com atividades, dentre as quais a exibição de 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas, que irão integrar a série “12 motivos para a eliminação do trabalho infantil”. Está prevista, ainda, a veiculação de podcasts semanais para reforçar a necessidade aprimoramento das ações de proteção a crianças e adolescentes neste momento crítico.

            Para marcar o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, no dia 12 de junho ocorreu um webinário nacional (seminário virtual), transmitido pelo canal do Tribunal Superior do Trabalho, via rede social Youtube[2], em que a escritora e mestra em Filosofia, Djamila Ribeiro, juntamente com Isa Oliveira, Secretária Executiva do FNPETI, abordaram a importância da compreensão dos dados históricos sobre escravidão e racismo no Brasil, para que se possa, efetivamente, pensar em ações que visem ao combate do trabalho infantil.

            Segundo as debatedoras, é possível visualizar, nos dados disponibilizados pelo IBGE, um importante recorte racial e de gênero especialmente em relação ao trabalho doméstico infantil – em que se verifica uma predominância de meninas negras –, o que demonstra a necessidade de um olhar voltado às raízes do trabalho infantil para que, compreendendo a sua origem, seja possível pensar em medidas eficazes e aptas ao seu enfrentamento.

            Ainda, o evento contou com a participação de Kátia Arruda, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, e Laís Abramo, Ex-Diretora da OIT no Brasil e Ex-Diretora da CEPAL, que discutiram sobre o trabalho infantil no contexto da pandemia e revelaram que, além dos transtornos de mudanças na rotina diária das crianças, em razão da pandemia, ainda existe o problema do aumento das violências por elas sofridas, dentro de casa, e de acabarem sendo colocados à rua para mendicância.

            A Ex-Diretora da OIT no Brasil ponderou que o aumento da taxa de desemprego afeta a renda das famílias e contribui para o aumento da precariedade e da informalidade, gerando um impacto nas taxas de pobreza e de intensa pobreza. Diante deste cenário, a OIT emitiu parecer prevendo um aumento de 326 mil crianças em trabalho infantil nos países latino-amaricanos e caribenhos, de acordo com a análise feita, no dia 11 de junho, pela CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, se não forem tomadas as medidas adequadas durante a pandemia pela COVID-19[3].

            Por fim, também foram debatidos os desafios da temática pós-pandemia e como enfrentá-los. Um dos principais fatores de insegurança e instabilidade econômica nos lares é a prevalência do trabalho informal, em que a proteção social é mínima e os contratos são inexistentes. Assim, muitas famílias precisam recorrer ao trabalho infantil para lidar com a insegurança econômica.

            De acordo com a nota técnica emitida pela CEPAL, são propostas as seguintes ações para enfrentamento:

 

            – A prevenção eficaz;

            – A identificação e localização de crianças e adolescentes que trabalham;

            – A restituição dos direitos de crianças e adolescentes que trabalham e de suas famílias.

 

            A análise também propõe o estabelecimento de políticas de transferência de renda, de acordo com a proposta da CEPAL de implementar uma renda básica de emergência por seis meses para todas as pessoas em situação de pobreza em 2020, incluindo crianças e adolescentes[4].

            Para o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho, “é preciso evidenciar os impactos da pandemia na vida das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e a responsabilidade do Estado brasileiro na adoção de medidas emergenciais de proteção, uma vez que neste cenário sem precedentes são estes os sujeitos sociais mais vulneráveis[5].

            O objetivo, assim, é conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de conferir uma proteção ainda maior às crianças e adolescentes, com o aprimoramento de medidas de prevenção e de combate ao trabalho infantil, sobretudo diante da vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus.

            De acordo com a OIT, antes da disseminação da COVID-19, no cenário mundial, quase 100 milhões de crianças haviam sido resgatadas do trabalho infantil até 2016. Isso fez com que o número de crianças nessa situação reduzisse de 246 milhões em 2000 para 152 milhões em 2016, segundo a última estimativa global divulgada.

            A fim de evitar um aumento dessa estatística em 2020 e perseguir a meta de erradicar essa violação até 2025, a campanha mundial faz um chamamento aos países para que incrementem políticas públicas de proteção, visando a assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao não trabalho[6].

            Conforme consta do site das Nações Unidas[7], Martin Georg Hahn, diretor do escritório da OIT no Brasil, destacou que “a pandemia e a consequente crise econômica e social global têm um grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas. ‘Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise significa uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e o trabalho infantil’, explica”.

            Nesse cenário, a pauta principal da iniciativa é proteger todas as crianças e adolescentes e garantir que eles sejam, também, prioridade na resposta à crise gerada pela COVID-19, com base nas convenções e recomendações da OIT e Convenção das Nações Unidas.

            Para o FNPETI, embora a pandemia da COVID-19 seja o item prioritário da agenda política internacional e nacional, é compromisso de todos – que defendem e promovem o direito a uma infância sem trabalho e a uma adolescência com trabalho protegido (se esta for a opção dos adolescentes acima de 14 anos) – realizar o debate de forma mais ampla, não só a partir da perspectiva da saúde pública, mas também a partir dos impactos negativos na vida de milhões de crianças e adolescentes no trabalho infantil e suas famílias.

            O cenário brasileiro já tinha desafios consideráveis para a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente para a eliminação do trabalho infantil. Entretanto, os impactos socioeconômicos da pandemia evidenciam e aprofundam as desigualdades sociais e raciais existentes e potencializam as vulnerabilidades de muitas famílias brasileiras.

            Diversas escolas, universidades e órgãos do governo decretaram suspensão de suas atividades. Serviços não essenciais e boa parte do comércio também estão fechados. Cerca de 9 milhões de crianças estão sem acesso à merenda escolar após o fechamento das escolas para conter o novo coronavírus, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Com a interrupção das aulas, estes alunos deixaram de receber, inclusive, alimentação em seus estabelecimentos de ensino. E, de acordo com o Programa Mundial de Alimentação (PMA), essas medidas têm implicações enormes não somente no aprendizado das crianças, mas também em vários aspectos importantes de suas vidas.

            Apesar de as recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) serem no sentido de, se possível, permanecer em casa, é necessário observar que crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, por exemplo, podem não ter o direito de ficar seguros em suas casas.

            Por isso, o FNPEDI lançou, em seu site, uma série de ações, a serem realizadas mediante os esforços dos governos federal, estadual e municipal e das entidades comprometidas, a serem implementadas em prol de uma infância sem trabalho, sobretudo considerando a pandemia do COVID-19[8].

            Por fim, e não menos importante, é oportuno frisar que a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 227, ser um dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

            Trata-se, portanto, não apenas de um direito constitucionalmente garantido à infância e adolescência, mas, acima de tudo, de um compromisso, de todos, com a cidadania, com a vida e com a dignidade das crianças e adolescentes, como pauta prioritária. Façamos, então, cada um, a nossa parte.

[1] Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 84.120. Bacharel pela Faculdade de Direito de Curitiba (Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA). Membra da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

[2] O webinário continua com acesso disponível através do site https://www.youtube.com/watch?v=jyd5WswL8V0.

[3] Disponível em https://nacoesunidas.org/crise-pode-lancar-ate-326-mil-criancas-ao-trabalho-infantil-na-america-latina-e-caribe/.

[4] Disponível em https://www.ilo.org/americas/publicaciones/WCMS_747653/lang–es/index.htm.

[5] Disponível em https://fnpeti.org.br/12dejunho/2020/.

[6] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_746953/lang–pt/index.htm.

[7] Disponível em https://nacoesunidas.org/campanha-nacional-alerta-para-risco-de-aumento-do-trabalho-infantil-diante-dos-impactos-da-pandemia/.

[8] Disponível em https://fnpeti.org.br/artigos/o-enfrentamento-ao-trabalho-infantil-no-contexto-da-covid-19/.

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