Semana de Mobilização para Busca e Defesa da Criança Desaparecida
Semana de Mobilização para Busca e Defesa da Criança Desaparecida
Hugo Fernando Lutke dos Santos[1]
A palavra “desaparecer” segundo o dicionário Priberam é: “1. Sair da vista ou da presença. 2. Ocultar-se. 3. Fugir, abalar. 4. Sumir-se; levar descaminho.5. [Figurado] Morrer. 6. Apagar-se, ofuscar-se.” (Priberam, 2020). No Brasil, o número de desaparecimento de pessoas é extremamente elevado, visto que, segundo dados do Fórum de Segurança Pública[2] do ano de 2018, mais de 82.094 pessoas desapareceram no Brasil, o que demonstra que a cada 24 horas, 224 pessoas são consideradas desaparecidas.
No que tange às crianças e aos adolescentes, não existem dados estáticos concretos acerca do desaparecimento dessa categoria, visto que, mesmo após a edição da Lei n° 12.127/09 – a qual instituiu o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos e previu, em seu art. 2°, que a União Federal deveria manter uma base nacional de dados referente às crianças/adolescentes desaparecidas em solo brasileiro -, tem-se uma base de dados desatualizada e incompatível com a realidade local, visto que em consulta ao referido cadastro no endereço eletrônico (https://www.desaparecidos.gov.br), constatou-se que apenas 164 crianças/adolescentes foram consideradas desaparecidas[3], dados esses, incompatíveis com o cenário brasileiro.
O fato é que alguns dados estatísticos extraoficiais estimam que anualmente mais de 50 mil crianças/adolescentes sejam considerados desaparecidos[4] no Brasil, podendo o desaparecimento pode ser classificado de três maneiras: a) desaparecimento voluntário (quando a criança/adolescente foge do lar de forma espontânea e sem a interferência de outra pessoa – exemplos: discussões e brigas com os pais e irmãos ou quando é vítima de violência doméstica); b) involuntário (quando o desaparecimento ocorre por um evento natural fora do alcance da criança/adolescente – exemplos: alagamentos; desmoronamentos); c) forçado (quando a criança/adolescente é subtraída de seus familiares mediante violência, engodo ou qualquer outra situação contraria ao desejo daquelas) – (GARCIA, 2019).
Das categorias supracitadas, a qual recebe uma maior atenção das autoridades é a do “desaparecimento forçado”, visto que a retirada forçada de crianças/adolescentes, via de regra, está atrelada a ilícitos penais graves, como é o caso do tráfico de pessoas e de órgãos, pedofilia, prostituição, entre outros.
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) foi cristalina ao assegurar, com absoluta prioridade, às crianças e aos adolescentes o direito à vida, à saúde, ao lazer, à alimentação, à liberdade, à cultura, à educação, ao respeito, à profissionalização e à convivência familiar e comunitária[5].
Desta forma, a constitucionalização do direito da criança e do adolescente por intermédio do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo VII, da CF, criou um novo direito da criança e do adolescente, o qual reconhece a igualdade entre criança e adolescente com os demais indivíduos, proporcionando-lhes a mesma gama de direitos fundamentais do cidadão, previstos no texto constitucional, independentemente de seu status social (MACHADO, 2003). Nesse processo de constitucionalização do direito da criança e do adolescente Machado (2003, p. 411), ainda afirma existirem 05 (cinco) princípios gerais, referente ao tema, quais sejam: a) princípio da proteção integral; b) princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; c) princípio da igualdade de crianças e adolescentes; d) princípio da prioridade absoluta; e) princípio da participação popular na defesa dos direitos de crianças e adolescentes (SANTOS, 2019).
A prioridade absoluta em razão das crianças e dos adolescentes desaparecidos foi expressamente atendida no art. 87, IV do Estatuto da Criança e do Adolescente, que priorizou a política de atendimento a crianças e adolescentes desaparecidos.
Na mesma toada de tutela absoluta em face às crianças e adolescentes desaparecidos, foi publicada a Lei n° 11.259/05, a qual acrescentou o § 2° no art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando que as investigações de crianças/adolescentes fossem realizadas imediatamente, e que as autoridades competentes deveriam comunicar imediatamente o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária, companhia de transporte interestaduais e internacionais, indicando todos dados necessários para identificação daqueles. Vale destacar que anteriormente às determinações apontadas, o procedimento para iniciar as investigações em face de uma criança/adolescente era, via de regra mais moroso, visto que somente após transcorridas 24 ou 48 horas, é que se iniciavam as buscas por crianças/adolescentes desaparecidos, circunstância essa que acabava por mitigar o êxito nas investigações, pois a probabilidade em localizar a pessoa desaparecida nas primeiras horas é, evidentemente, maior.
A relevância acerca do tema desaparecimento de crianças e de adolescentes tomou contornos de maiores proporções com o advento da já citada Lei n° 12.127/09, assim como com a publicação da Lei n° 12.393/11, a qual instituiu a semana de Mobilização Nacional para Busca e Defesa da Criança Desaparecida, que dever ser realizada anualmente entre, os dias 25 a 31 de março.
Não obstante a Lei n° 12.393/11 apenas mencionar em seu bojo a proteção a Criança, tal circunstância não impede a interpretação extensiva da referida Lei, visto que o ECA é categórico na proteção da criança e do adolescente, motivo que justifica a extensão da mobilização da busca e defesa para os adolescentes desaparecidos.
Constata-se que, em que pese alguns avanços na legislação nacional face ao tema do desaparecimento de crianças e adolescentes brasileiros, estamos ainda longe de termos uma política pública efetiva sob o tema, pois passados mais de 10 anos da publicação da Lei n° 12.127/09, não há um Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes desaparecidos. Também é de lamentar que a Semana de Mobilização Nacional para busca e Defesa da Criança Desaparecida instituída pela Lei n° 12.393/11 ainda é muito discreta, não tendo alcançado seu real objetivo.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 mar. 2020.
BRASIL. Decreto n. 8.767, de 11 de maio de 2016. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8767.htm>. Acesso em: 24 mar. 2020.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. ECA. 1990a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.html>. Acesso em: 15 mar. 2020.
BRASIL. Lei n. 12.127, de 17 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12127.htm>. Acesso em: 15 mar. 2020.
BRASIL. Lei n. 11.393, de 04 de março de 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12393.htm>. Acesso em: 15 mar. 2020.
DESAPARECER, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/desaparecer>. Acessado em 25 de março de 2020.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário. Fonte: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acessado em 20 de março de 2020.
GARCIA, Maria Fernanda. Perigo ignorado : 226 pessoas desaparecem por dia no Brasil. Observatório do terceiro setor, 19. Jul, 2019. Disponível em: <https://observatorio3setor.org.br/noticias/perigo-ignorado-226-pessoas-desaparecem-por-dia-no-brasil/>. Acessado em 24 de março de 2020.
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.
SANTOS, Hugo Fernando Lutke dos. O modelo acusatório de apuração do ato infracional como forma de efetivar a doutrina da proteção integral aos adolescentes em conflito com a lei. Orientadora: Priscilla Placha Sá. – 2019.
[1] Hugo Fernando Lutke dos Santos, Advogado, Professor, Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas, PUC/PR (2019), Bacharel em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2005); Especialista lato-sensu em Direito Socioambiental, PUC/PR (2007); Direito Penal e Processo Penal, Estácio de Sá (2014); Docência Ensino Superior, FESL (2019). E-mail: hugo@lutke.com.br.
[2] Fonte: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em 20 de março de 2020.
[3] Fonte: <https://www.desaparecidos.gov.br/index.php/statistics>. Acesso em 20 de março de 2020.
[4] Fonte: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/04/06/desaparecimento-de-criancas-conselho-de-medicina-faz-alerta-na-comissao-de-direitos-humanos>. Acesso em 20 de março de 2020.
[5] Art. 227, caput, da CF.