“Tiroteio em Medianeira, um ano depois tudo está igual mesmo com tantas leis para tratar de suas causas”

 

Na manhã do dia 28 de setembro de 2018, um adolescente, de 15 anos, motivado pela vontade de vingar-se do assédio sistemático que vinha sofrendo, entrou armado e atirou contra colegas de classe do Colégio Estadual João Manoel Mondrone, em Medianeira, no oeste do Paraná.

Neste tiroteio dois alunos ficaram feridos, sendo que um deles, de 15 anos, gravemente, com um tiro nas costas, próximo à coluna vertebral. Ele foi transferido para o Hospital Municipal de Foz do Iguaçu.

O atirador e estudante é filho de agricultores e afirmou em seu depoimento que vinha sofrendo assédio moral sistemático, que possuía, ao menos, nove alvos  e que saiu de casa decidido a praticar o ataque, planejado desde julho.

Com o atirador foram apreendidos um revólver calibre 22, munição e uma faca.

De acordo com a polícia, uma carta com pedido de desculpas foi encontrada no material escolar dos suspeitos, além de recortes com notícias de ataques em escolas dos Estados Unidos e do Brasil. No celular de um deles também foram encontrados vídeos de violência.

Um ano depois deste episódio brutal o país já possui um conjunto de leis para melhor tratar do problema da violência em ambiente escolar.

Entre esses dispositivos legais, podemos destacar o art. 12 da LDB, que, modificado pela Lei 13.663/18, incluiu como um dos itens para promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a promoção da cultura de paz entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino.

Outro dispositivo que merece atenção é o art. 227 da Constituição Federal, que preceitua ser responsabilidade da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, bem como também atende o Estatuto da Criança e do Adolescente que segue na mesma esteira em seu artigo 5º[1].

Deve-se ter sedimentado que a obrigação de tratar deste problema é de caráter inescapável e pertence às escolas públicas e privadas de modo que não atender a este dever simboliza a violação de diversos dispositivos legais como Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14.[2]

Essa omissão também enseja a responsabilização penal pela conduta omissiva nestes casos como se pode perceber na interpretação da leitura do artigo 13, § 2º do Código Penal[3].

Além disso, a responsabilidade civil da escola é objetiva, ou seja, inescapável e independentemente de culpa, isso tanto por força de lei prevista no Código Civil brasileiro nos artigos 927[4], 932[5] e 933[6].

Entretanto, um ano depois do incidente em Medianeira, mesmo com tantas previsões apenadoras para a inobservância ainda não se têm medidas suficientemente efetivas para garantir a obediência por parte das escolas à estas especificações legais.

Como vimos, a violência escolar tem seus resultados maléficos enraizados na personalidade de suas vítimas de modo que, quando não detectado e trabalhado adequadamente pelas escolas, pode maturar em forma de ódio e se manifestar por meio de massacres.

Por isso, não podem as escolas públicas ou privadas se esquivar do dever de prevenção e proteção aos estudantes, seja por dever moral que justifica a existência da docência, seja pelo dever legal que lhes é imposto.

Estas leis visam balizar as medidas preventivas para garantir a segurança de nossas crianças e jovens em ambientes escolar por meio da cultura de pacificação nas escolas, do diálogo e da educação voltada para a cooperação e respeito a dignidade humana.

As leis até podem cessar a onda de comportamentos agressivos e violentos, mas só a educação será capaz de transformá-los.

“VICTORIA DISCENTIUM GLORIA DOCENTIUM[7]

 

 

Alexandre Saldanha

Advogado, OAB-PR 47.535, Especialista em Bullying, Mobbing, Palestrante, Escritor, Cientista, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-graduado em Direito Contemporâneo, Pós-graduado em Direito Aplicado, Membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-Paraná, Membro da Comissão de Direitos da Infância e Adolescência da OAB-Paraná, Membro da Comissão de Direito Anti-bullying da OAB São Paulo, Seccional São Caetano do Sul.

 

 

 

 

[1] Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

[2] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

  • 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

  • 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
  • 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

  • 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

[3] Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

  • 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[4] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[5] Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

[6] Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

[7]Tradução livre do brocado Latino:  “A vitória dos alunos é a glória dos professores.”

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