As Mudanças e os Avanços da Adoção no Brasil

 

 

AS MUDANÇAS E OS AVANÇOS DA ADOÇÃO NO BRASIL

 

Ana Paula Leite[1]

Karina Dias Nascimento Sabatke[2]

Bruna Marques Saraiva[3]

 

A adoção, além de sabidamente ser um ato de amor e proteção, é também o recebimento de uma pessoa, em regra, sem vínculo genético, em ambiente familiar diferente, desligando-se dos laços anteriores, de forma a construir vínculos novos, dentre eles os afetivos e os jurídicos. No caso de crianças e de adolescentes, é uma das formas de colocação em família substituta.

A adoção no Brasil passou por grandes alterações nos últimos anos. Antes da década de 1980, a adoção era vista como um simples ato de caridade do adotante. Hoje, o objetivo central da adoção é garantir à criança e ao adolescente aptos a serem adotados a observância dos seus direitos fundamentais, entre eles o da convivência familiar e comunitária e o do acesso à educação (art. 227, CRFB). Em relação ao vínculo familiar, a principal mudança relaciona-se à sobreposição dos laços afetivos em relação aos biológicos.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, os filhos havidos por adoção possuem os mesmos direitos daqueles decorrentes da filiação biológica, ou seja, acertadamente o legislador garantiu a equiparação entre os filhos, afastando-se, assim, aquela antiga e equivocada tradição de distinguir os filhos de acordo com sua “origem”.

Após a modificação originada pela Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990 – trouxe ainda mais direitos em relação à filiação por adoção. No ano de 2009, por meio da Lei n.º 12.010/2009, deu-se uma grande modificação no sistema de adoção brasileiro, alterando-se, além de muitos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, os artigos 1.618 e seguintes do Código Civil. Estabeleceu-se que o regramento do processo de adoção deve seguir as diretrizes descritas no ECA, inclusive utilizando-se dessas normas para a adoção de pessoas com mais de dezoito anos, de forma subsidiária.

A mais nova grande alteração em relação à adoção ocorreu por meio da Lei n.º 13.509 de 22 de novembro de 2017, que modificou, entre outras leis, diversos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Referida lei estabeleceu novos critérios e prazos ao processo de adoção, criando regras para abreviar a adoção no Brasil; deu celeridade aos processos de destituição de poder familiar; priorizou a adoção de grupos de irmãos e crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou com necessidades específicas de saúde; entre outras importantes modificações.

Importante destacar, dentre tais alterações trazidas pela Lei n.º 13.509/2017 ao ECA, aquelas que visaram garantir direitos e dar celeridade à concretização da adoção, especialmente: (i) a inclusão do § 2º no artigo 152 do ECA em relação aos procedimentos, fixando-se que os prazos serão contatos em dias corridos e destacando a inexistência de prazo em dobro para a Fazenda Pública e para o Ministério Público; (ii) a inclusão da previsão expressa, pelo § 3º do artigo 39 do ECA, que reforça a prevalência do princípio do superior interesse das crianças e adolescentes nos casos de adoção; (iii) inclusão de diversos direitos relacionados à entrega voluntária de crianças para a adoção, entre eles o sigilo (art. 19-A); (iv) a fixação dos prazos máximos para o estágio de convivência na adoção (art. 46); e (v) a fixação do prazo de 90 dias para as buscas por família extensa nos processos de destituição do poder familiar (art. 19-A).

Em relação ao procedimento da habilitação de pretendentes à adoção, o prazo máximo para conclusão passa a ser de 120 dias, prorrogáveis por igual período (art. 197 – F). A legislação incluiu, ainda, a obrigatoriedade da participação dos postulantes em programa que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos (§ 2º do art. 197 – C).

Os pretendentes habilitados à adoção, com o novo texto normativo, deverão ser reavaliados pela equipe técnica a cada 3 (três) anos para que se verifique a ocorrência de alteração familiar e a possibilidade de alteração do perfil da criança ou do adolescente que pretende adotar (§ 2º do art. 197 – E).

Outro ponto muito importante trazido ao ECA pela Lei nº 13.509/2017 é o prazo para conclusão dos processos de adoção em si. Antes não havia tal previsão legal, o que gerava grande insegurança e impasses no cotidiano das famílias adotivas. Agora, com a alteração legislativa, o prazo para concluir integralmente o processo de adoção passa a ser de 120 dias, prorrogáveis por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária (§ 10º do art. 47). Destaca-se que essa previsão precisará ser objeto de fiscalização permanente, pois demandará a implementação de rotinas novas para tornar concreta a prioridade legal.

No que tange à adoção internacional, a nova lei alterou os artigos 50, § 10º e 51, § 1º do ECA, deixando ainda mais claro que a adoção internacional passa a ser aquela em que o pretendente possui residência habitual em país signatário da Convenção de Haia, e que a criança ou o adolescente será encaminhado para essa espécie de adoção somente após verificada a ausência de pretendentes habilitados no país, e após esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família adotiva brasileira.

Outro ponto importante trazido por essa lei é em relação às formas de evitar as temidas e tristes “devoluções”. A alteração legislativa prevê que, em havendo devolução do adotando, após o ingresso do pedido de adoção ou após o trânsito em julgado da sentença, haverá a exclusão do(s) nome(s) do(s) adotante(s) do cadastro nacional de adoção e a vedação de nova habilitação, com a possibilidade de aplicação de outras sanções. Inclusive, já existem decisões judiciais que impuseram aos adotantes o pagamento de prestação alimentícia e de indenizações em decorrência de tais devoluções (§ 5º do art. 197 – E).

Esta mesma lei alterou, ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, estendendo à pessoa que adotar uma criança ou um adolescente as mesmas garantias trabalhistas concedidas aos pais sanguíneos, como a licença-maternidade, a estabilidade provisória após a adoção e o direito de amamentação.

 O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2008, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), constitui, do mesmo modo, grande evolução, principalmente, para resguardar os direitos e o melhor interesse das crianças e dos adolescentes a serem adotados.

 A alimentação e fiscalização dos dados do CNA são realizados pelas Varas e Promotorias da Criança e do Adolescente (Infância e Juventude) e combinam-se as informações para aproximar os casais habilitados das crianças e dos adolescentes aptos à adoção. Na prática, realiza-se um “cruzamento” de dados entre os pretendentes à adoção e aquelas crianças e adolescentes disponíveis para a adoção na Comarca em que estão habilitados e, após, executa-se a pesquisa em localidades mais distantes. Em 2018, foi lançado o novo sistema de cadastro de adoção, tendo sido feitas adequações ao cadastro já existente, objetivando-se mais celeridade, efetividade e maior proteção à criança e ao adolescente em acolhimento e/ou aguardando a adoção.

No Cadastro Nacional de Adoção, atualmente existem 42.497 (quarenta e dois mil quatrocentos e noventa e sete) pretendentes disponíveis habilitados para adotar. Destes, 11.518 (onze mil quinhentos e dezoito) estão na região Sul. Em relação ao perfil almejado, a maior parte dos pretendentes deseja adotar crianças de até 3 anos de idade, sendo: 11,85% até 1 ano de idade; 15,22% até 2 anos de idade; e 18,57% até 3 anos de idade.

Em relação às crianças e adolescentes, dados recentes do CNJ apontam que há, atualmente, 5.043 (cinco mil e quarenta e três) crianças e adolescentes disponíveis para a adoção, dos quais: 13,90% encontram-se na faixa etária de 0 a 8 anos; 6,5% possuem 11 anos; 13,37% possuem 15 anos; e 12,55% possuem 17 anos[4].

Resta demonstrado que há um claro descompasso numérico entre o desejo etário dos interessados na adoção e a idade das crianças e dos adolescentes aptos à adoção no Brasil.

Todos aqueles que tiverem interesse em realizar adoção de crianças e adolescentes devem procurar a Vara da Infância e da Juventude competente da cidade em que reside, para se informar a respeito dos documentos exigidos, sobre as etapas do processo e/ou sobre qualquer outra dúvida existente.

Percebe-se que a temática da adoção vem recebendo maior destaque e atenção do legislador brasileiro. Podemos observar algumas conquistas importantes no tocante à proteção das crianças e dos adolescentes envolvidos nas mais diversas etapas próprias do processo de adoção.

Entretanto, a realidade vivenciada pelas crianças e pelos adolescentes atingidos pela estrutura nacional da adoção não se aproxima, nem de longe, daquela idealizada pelo texto constitucional.

Urgem iniciativas legislativas de efetivo enfrentamento à temática. Isto, porque o núcleo principal da adoção são as crianças e os adolescentes. Por isso, imperativamente, em respeito ao princípio constitucional de proteção integral às crianças e aos adolescentes, sempre deverão prevalecer os interesses e os direitos destes em relação aos interesses dos pais biológicos ou dos pretendentes à adoção.

 

REFERÊNCIAS:

 

LIVROS:

 

BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Coleção Sinopses para Concurso – 36. Editora Juspodvm: 2017.

 

DIGIÁCOMO, Murillo José; AMORIM, Ildeara de. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (atualizado até a Lei nº 13.441/2017, de 08 de maio de 2017). Fempar. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2017_7ed_fempar.pdf

 

TEXTOS ON LINE/ARTIGOS:

 

ARPENSP ADOÇÃO. Disponível em: http://www.arpensp.org.br/index.cfm?pagina_id=201

 

CAVALCANTE, Marcio André Lopes. Comentários à Lei 13.509/2017, que facilita o processo de adoção – Dizer o Direito 27/11/2017. Disponível em:  https://www.dizerodireito.com.br/2017/11/comentarios-lei-135092017-que-facilita.html

 

CALIL, Denise Abreu Cavalcanti. Aspectos históricos e relevantes do instituto da adoção no Brasil. Revista: IBDFAM Família e Sucessões. V.31 (jan./fev.) – Belo Horizonte: IBDFAM, 2019, pg.92.

 

CNJ Corregedoria lança novo sistema de adoção e acolhimento. Disponível em: Clique aqui

 

Passo a Passo da adoção. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna/passo-a-passo-da-adocao

CNJ. Dados do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça.  Relatório de Pretendentes disponíveis Cadastrados (Nacional) e Relatório de Crianças Disponíveis. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.

 

STJ. Lançado novo Cadastro Nacional de Adoção. Disponível em: Clique aqui

 

TJPR. Adoção nacional. Disponível em: Clique aqui

 

LEGISLAÇÃO:

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei n.º 8069/2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm

 

LEI N.º 13.509/2017 – que alterou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm

 

CÓDIGO CIVIL. Lei n.º 10.406/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm

[1] Advogada inscrita na OAB/PR sob o n º 84132. Graduada pela Universidade Estácio de Sá de Curitiba. Pós-Graduanda em Direito da Criança e do Adolescente pela Fundação da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP. Membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

[2] Advogada inscrita na OAB/PR sob o n.º 43535. Graduada pela Faculdade de Direito de Curitiba (Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA). Pós-graduada em Direito Aplicado na Escola da Magistratura do Paraná – EMAP e em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp (LFG). Membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

[3] Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 39284. Graduada pela Faculdade de Direito de Curitiba (Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA) e Pós-Graduada em Direito Civil, Família e Sucessões pela UTP. Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

[4] Dados do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça.  Relatório de Crianças Disponíveis. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf. Acesso em 22 de maio de 2019.

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