Advogada elabora artigo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

Para finalizar o mês de comemoração aos 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Marta Tonin, consultora da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná, elaborou um artigo com o título “Licença para viver!”. Confira a íntegra:

LICENÇA PARA VIVER!

Circula nas redes sociais um vídeo chamado “Licença para Matar”, de autoria de Roberto Motta, distorcendo o verdadeiro significado do princípio da proteção integral voltado às crianças de todos os países que ratificaram a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (20/11/1989), e que atribui à pessoa até dezoito anos de idade a (1) condição de sujeito de direitos e deveres; (2) fase peculiar de desenvolvimento biopsicossocial e o (3) princípio da prioridade absoluta na garantia de seus direitos fundamentais. O referido autor, ao atacar a Doutrina da Proteção Integral, fere o artigo 227 da Constituição Federal brasileira, supedâneo pátrio que diz ser DEVER da família, da sociedade e do poder público, a responsabilidade pela construção de um país melhor a partir da infância, por meio dos direitos básicos do ser humano em desenvolvimento (até 18 anos de idade).

O locutor do citado vídeo chega ao ponto de dizer que “o Estatuto da Criança e do Adolescente bem que poderia se chamar Estatuto da Corrupção do Adolescente” e que o E.C.A. “é uma lei ideológica e equivocada e uma das responsáveis pela guerra civil que estamos vivendo”. Data vênia, equivocado, sim, é este pensamento, pois “proteger integralmente” crianças e adolescentes é, também, prever a contrapartida pelos atos infracionais cometidos. A Lei nº 8.069/90 (E.C.A.) prevê que “Ato Infracional” é a conduta descrita como crime ou contravenção penal, ou seja, ao crime cometido por uma criança (0 a 12 anos incompletos) e adolescente (12 a 18 anos), há previsão de “Medidas de Proteção”, no caso do ato ser cometido por criança (questiona-se aqui o que leva uma pessoa de 6 anos, por exemplo, a cometer um crime: não seria a falta do DEVER de formar, de educar, de políticas públicas que assegurem, de fato, a existência de direitos fundamentais?) e de “Medidas Socioeducativas”, no caso da infração ser cometida por adolescente.

Importante frisar que as medidas socioeducativas (Advertência; Reparação do Dano; Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade e Internação), devem ser aplicadas de acordo com a gravidade do ato infracional praticado. Assim, por fixar estas medidas, pode-se ver que o E.C.A. não privilegiou apenas os atos de menor teor ofensivo mas, inclusive, pune com a medida mais grave – internação (leia-se privação da liberdade) -, os crimes contra a vida cometidos pelo(a) adolescente. E isto já a partir dos 12 anos! Ou seja, toda e qualquer discussão sobre a redução da maioridade penal (14 ou 16 anos) cai por terra, pois a Lei determina que o(a) adolescente de 12 anos, autor de ato infracional grave, deva ser processado, julgado e, comprovadas autoria e materialidade, recair sobre ele a aplicação da medida mais adequada ao tipo de crime cometido.

A lei não é “ideológica” nem está “equivocada”, muito menos “é responsável pela guerra civil que estamos vivendo”. Uma lei, por melhor que seja, não muda a realidade social se os agentes que DEVEM fomentar a paz, o respeito, a dignidade, educação, saúde, etc. (família, sociedade e estado) não derem condições das crianças e adolescentes se desenvolverem de forma digna. Como querer que cresçam pessoas “do bem” se elas vivem em ambientes violentos, promíscuos, em meio ao tráfico de drogas, armas e prostituição? Toda pessoa é fruto de seu meio social e a lei não pode ser culpada pelo estado de coisas que aí está! Quando a família é negligente; a sociedade não enxerga o problema e o estado não garante direitos fundamentais porque não cria políticas públicas para tanto, estes mesmos agentes estão conflitando com a lei, cometendo atos infracionais, criminosos!

Quando o locutor do famigerado vídeo diz que a medida de internação não é cumprida em sua integralidade (3 anos) e que, portanto, a culpa é do E.C.A., não disse que quem deve cumprir a lei são seus aplicadores. No caso da privação da liberdade do(a) adolescente, o estado deve proporcionar unidades de internação em condições de socializar os internos. Não basta trancafiá-los numa instituição onde seus direitos (educação, saúde, profissionalização) não são proporcionados pelo agente estatal. Como querer que esta medida seja eficaz se faltam condições humanas e materiais do(a) adolescente ser “re-socializado? Ora, na grande maioria dos casos, eles cometem infração justamente porque não foram “socializados”. Como querer “re-socializar” alguém que já na infância vivenciou violência, discriminação, crueldade e opressão diante de seus olhos?

Diz o artigo 42 da Lei 12.594, que instituiu o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que “As medidas socioeducativas de liberdade assistida, de semiliberdade e de internação deverão ser reavaliadas no máximo a cada 6 (seis) meses, podendo a autoridade judiciária, se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10 (dez) dias, cientificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente e seus pais ou responsável.” O malsinado vídeo critica este artigo dizendo que isto proporciona que o(a) adolescente venha ficar menos tempo da unidade de internação. Ora, este não é o problema! Se o maior de 18 anos tem sua pena avaliada de tempos em tempos, muito mais há que se exigir da medida aplicada ao adolescente, porque a “proteção integral” leva em conta a fase de desenvolvimento destas pessoas. Ou será que todos já nascemos sabedores dos nossos direitos e deveres? Vale a máxima que diz que “só se pode cobrar deveres de alguém se antes se lhes garantiu um direito”. E isto vale para crianças e adolescentes.

“Proteger integralmente” uma pessoa em desenvolvimento biopsicossocial significa concebê-la como sujeito de direitos e deveres (por isto o E.C.A. prevê sanções aos adolescentes que cometeram crimes com grave ameaça ou violência e isto, por si só, demonstra que a lei não “passa a mão na cabeça”, como querem alguns), e a sociedade tem o dever de cobrar do poder público a tão decantada prioridade absoluta na garantia da destinação privilegiada do orçamento para deliberar políticas públicas a fim de ver concretizados os direitos fundamentais.

Infelizmente, confunde-se o “Princípio da Proteção Integral” como se fosse o “pode tudo” para a criança e o adolescente, esquecendo-se que o primeiro DEVER legal para uma vida em sociedade está previsto no art. 227 da Constituição Federal (garantia de prioridade absoluta) e no E.C.A., art. 70: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.”

Culpar a Lei nº 8.069/90 pela situação caótica porque passa o Brasil é, no mínimo, irresponsável. É demonstrar total desconhecimento dos ditames legais, nacionais e internacionais. É negligenciar que o papel de todos é deixar um mundo melhor para as presentes e futuras gerações, pois, como bem disse Adolpho Perez Esquivel (Escritor Uruguaio, ganhador do Prêmio Nobel da Paz), “um país que abandonou suas crianças já perdeu seu presente e hipotecou o futuro.”

Bradam as crianças e adolescentes brasileiros:

DÁ LICENÇA? EU QUERO VIVER!

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