A Prevenção da Gravidez na Adolescência

 

A PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

 

Eliane Freire Rodrigues de Souza de Carli[1]

 

Sancionada em janeiro de 2019, a Lei nº 13.798, acrescentou o art. 8º-A à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e instituiu a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.

Proposta pela ex-senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) em 2010, a Lei tem como objetivo a união de esforços entre o poder público e organizações da sociedade civil, para a propagação de informações de teor educativo e métodos preventivos, contribuindo, assim, para a redução da gravidez na adolescência no Brasil. [2]

Temática de grande relevância, pois, apesar de ter diminuído nos últimos anos, a taxa de gravidez na adolescência está acima da média das Américas De acordo com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), entre os anos de 2000 a 2016, o número de casos de gravidez na adolescência (10 a 19 anos) teve queda de 33% no Brasil (de 750.537 nascimentos caiu para 501.385 nascimentos). Entre 2017 e 2018, dados preliminares do SINASC informaram que nasceram 480.211 crianças filhas de mães entre 10 e 19 anos em 2017 e 394.717 em 2018.[3]

Mas, quem é a criança?

Quem são os adolescentes?

Quais são os limites cronológicos que definem criança e adolescente?

Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, criança é a pessoa até 10 anos e adolescente quem possui de 11 a 19 anos de idade.

Para o Estatuto da Criança e do Adolescente, criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, há praticamente quase 30 anos, nas palavras da doutrinadora Josiane Rose Petry Veronese, “crianças e adolescentes brasileiros passam a ser ‘sujeitos de direitos’ (…) indivíduo apreendido do ordenamento jurídico com possibilidades de, efetivamente, ser um sujeito-cidadão”, em peculiar condição de desenvolvimento, merecedores de cuidado, de afeto, de respeito e de amor. É para eles, que nós, família, sociedade e Estado devemos proporcionar verdadeiramente a proteção integral em busca do melhor interesse. Deve partir desta perspectiva qualquer discussão sobre a temática da gravidez na adolescência.

Sobre a Semana de Prevenção de Gravidez na Adolescência, a presidente do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dra. Alda Elizabeth Iglesias Azevedo explica que:

“A medida é um passo importante, visto que políticas públicas com foco na saúde dessa faixa etária ainda são escassas. Mas, para que haja realmente progresso, a prevenção precisa ser entendida em seu sentido amplo, com foco na assistência integral dos adolescentes e não apenas reduzido à uma questão da saúde sexual[4].”

Tudo indica que a pobreza, a falta de acesso à informação e a métodos contraceptivos são considerados os principais fatores que contribuem para a manutenção desta situação. Uma pesquisa realizada em João Pessoa – PB sobre a questão concluiu que:

“(…) estudos que utilizam indicadores socioeconômicos para o estudo da dinâmica da concepção precoce demonstram que a baixa escolaridade e a baixa renda são consideradas causas importantes da gravidez na adolescência. Nesse contexto, o presente estudo aponta uma alta proporção de mulheres grávidas que possuem baixa escolaridade (<8 anos de estudo) e baixa renda (<1 SM). Entretanto, é evidenciado que essa variável é uma constante no que diz respeito a mulheres adolescentes e adultas[5].”

Porém, sabemos que não são apenas estes fatores de agravo. A Dra. Evelyn Eisenstein, membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria explica que “O índice de mortalidade entre os filhos de mães adolescentes é muito alto. Cerca de 20% da mortalidade infantil no Brasil decorre do óbito precoce dessa faixa”.[6] Os riscos nos casos de gravidez na adolescência são muitos, tanto para a mulher como para o bebê. Além disso, ressalte-se a interferência na vida escolar da adolescente, o que gera ainda uma maior vulnerabilidade social para ambos.

Algumas pesquisas têm demonstrado que filhos de mães adolescentes são mais suscetíveis a sofrer diferentes formas de violência e a viverem estresse tóxico mais precocemente, visto que influências biológicas e ambientais na vida da população infantoadolescente estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento das pessoas por toda a vida, tanto experiências positivas como negativas. Os efeitos dessas experiências são cumulativos: quanto maior o número de fatores, maior e mais profundo é o impacto nos indivíduos.[7]

Eisenstein complementa que:

“Quando não há uma rede de apoio familiar muitas vezes essas crianças são educadas com negligência ou deixadas para adoção. No geral, o pai não assume e a mãe sem estrutura tem que lutar pela sobrevivência da criança, inviabilizando o seu próprio futuro. O Poder Público deve levar informação de qualidade aos jovens e oferecer mais oportunidades tanto na área da educação quanto no mercado de trabalho para ampliar a perspectiva dos adolescentes. É preciso investir para mudar esse ciclo, que acaba sendo um marco de perpetuação da pobreza.”[8]

Está cada vez mais evidente para a Sociedade Brasileira de Pediatria que o amplo acesso à educação e à informação, associado à disponibilidade de serviços de saúde qualificados, representam a única ferramenta comprovadamente eficaz para lidar com a questão.[9]

Para a entidade é urgente a elaboração de políticas públicas fundamentadas em orientações cientificamente reconhecidas e amplamente discutidas entre os especialistas brasileiros e de outros países. Para a classe pediátrica, a questão da prevenção da gravidez na adolescência, como pontua a Sociedade Brasileira de Pediatria:

“é extremamente importante e exige maiores esclarecimentos e informações, sobretudo para serem repassados aos pais e aos próprios adolescentes. Especificamente sobre o início da vida sexual, questões biológicas, psicológicas e sociais precisam ser consideradas neste contexto, segundo os especialistas. Para a entidade, a ausência do uso de métodos contraceptivos, a dificuldade de acesso a programas de planejamento familiar e sobretudo a falta de informação adequada e sistematizada para os jovens têm contribuído para o aumento da gravidez precoce. Além disso, o início cada vez mais precoce da puberdade constitui outro fator relevante, com repercussão na ampliação do intervalo entre o preparo físico do corpo para a atividade sexual e o amadurecimento psicossocial necessário à prática da sexualidade.”[10]

Outro aspecto muito importante que os pediatras têm observado hoje, é que a iniciação sexual tem acontecido cada vez mais cedo e que o que realmente pode evitar a gravidez precoce, bem como as Infecções Sexualmente Transmissíveis é a informação adequada e uma educação integral desta população. Nesse mesmo sentido, observa-se que quanto mais bem informados são os adolescentes, mais estes postergam sua iniciação sexual, cultuam o respeito aos outros e buscam projetos de vida.[11]

Neste aspecto existem hoje algumas boas iniciativas que procuram formar pais e educadores no que se refere à educação da afetividade e da sexualidade, e muitos profissionais preparados para promover educação em sentido amplo[12]

Finalmente, um aspecto muito importante e que precisa ser resgatado é o acompanhamento do adolescente pelo seu médico pediatra, por meio da Puericultura.[13] Como explica a Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dra. Luciana Rodrigues Silva:

“Esse é o local adequado para que as dúvidas do paciente e seus familiares sejam respondidas, uma vez que essas questões comportamentais e sociais devem ser consideradas de modo individualizado.”

Há poucos dias, (28/01/2020) a Sociedade Brasileira de Pediatria, divulgou um documento em que trata da prevenção da gravidez na adolescência[14] e esclarece que entre as medidas desenvolvidas pela entidade para fortalecer a disseminação da educação sexual, estão os documentos científicos elaborados pelo Departamento Científico de Adolescência da entidade: “Prevenção da Gravidez na Adolescência”, “Anticoncepção na Adolescência” e “Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)”. Além disso, a Sociedade Brasileira de Pediatria estabelece cinco recomendações oficiais que devem estar voltadas para a promoção do bem-estar e segurança dos adolescentes, quais sejam:

“ 1 – Inclusão de profissionais habilitados – os pediatras – para atender adolescentes e suas famílias na Atenção Primária, Secundária e Terciária;

2 –  Fazer orientação sistemática sobre anticoncepção – com discussão detalhada de todos os métodos disponíveis na adolescência para evitar a gravidez inoportuna e as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) – e estimular a escolha responsável do início da vida sexual;

3 – Desenvolver políticas públicas voltadas para os adolescentes sobre educação sexual, autoestima, autocuidado, respeito, todos os tipos de anticoncepção disponíveis e Infecções Sexualmente Transmissíveis;

4 – Divulgação sistemática nas escolas e na mídia sobre estes temas;

5 – Estimular o conhecimento adequado e científico enfatizando que a educação é a primeira ferramenta contra a pobreza e a melhor forma de potencializar o desenvolvimento dos indivíduos.”

Por fim, cabe ressaltar a importância de um movimento conjunto de conscientização da população a respeito da gravidez na adolescência, da importância do diálogo familiar, bem como da implementação de políticas públicas eficientes de prevenção da gravidez na adolescência, fundamentadas em evidências científicas e que respeitem as crianças e adolescentes como detentoras de direitos e garantias, respeitando-se a sua dignidade humana.

 

 

 

[1] Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Paraná e em Direito pelas Faculdades Guarapuava/PR. Especialista em pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Especialista em Homeopatia pela Associação Médica Homeopática Brasileira, Especialização em Administração nos serviços de Saúde pela Universidade de Ribeirão Preto  e em Mediação Familiar pela “Associazione Azione Famiglie Nuove” em Loppiano – Firenze, Italy, com attestato di qualifica della Regione Toscana (Livello di qualificazione – Post Láurea) sob o título “ Línea di Mediazione Familiare, da uma prassi di umanizzazione nella medicina”. Já trabalhou nas seguintes áreas: em consultório como homeopata e pediatra, como Representante Nacional da Associação Italiana Ação para Famílias Novas na área de adoção internacional, como Assessora Técnica Especializada na Secretaria Municipal de Saúde em Guarapuava, como gestora na área de Assistência Social em Guarapuava, com Acolhimento Institucional, responsável pela implantação do Programa Família Acolhedora em Guarapuava. Atualmente trabalha em consultório de pediatria e é membro das seguintes comissões:  Comissão da Criança e do Adolescente da OAB PR, Conselho Consultivo de Vítimas do Projeto Piloto da“Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores”, Comissão Especial de Proteção da Criança e do Adolescente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Comissão para Proteção Integral e Garantia dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente – COPAC do movimento dos Focolares.

[2] Art. 1º  A Lei nº 8.069, de 13 d e julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) , passa a vigorar acrescida do seguinte art. 8º-A:

Art. 8º-A. Fica instituída a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a ser realizada anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.

Parágrafo único.  As ações destinadas a efetivar o disposto no caput deste artigo ficarão a cargo do poder público, em conjunto com organizações da sociedade civil, e serão dirigidas prioritariamente ao público adolescente.”

[3] Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/45247-saude-faz-levantamento-inedito-para-acompanhar-gravidez-em-escolares. Acesso em 02/02/2020.

[4] Disponível em : https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sbp-comemora-criacao-da-semana-nacional-de-prevencao-da-gravidez-na-adolescencia-pelo-governo-federal/. Acesso em 02/02/2020.

[5] PINHEIRO, Yago Tavares Pinheiro; PEREIRA, Natália Herculano Pereira; FREITAS, Giane Dantas de Macêdo. Fatores associados à gravidez em adolescentes de um município do nordeste do Brasil. Cad. Saúde Colet., 2019, Rio de Janeiro, 27 (4): 363-367.

[6] Idem.

[7] BARROS Filho,  Antonio de Azevedo; FONSECA Cátia Regina Branco In FONSECA Cátia Regina Branco; FERNANDES, Tadeu Fernando. Puericultura: passo a passo. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.

[8] Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sbp-comemora-criacao-da-semana-nacional-de-prevencao-da-gravidez-na-adolescencia-pelo-governo-federal/. Acesso em 02/02/2020.

[9] Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sbp-se-posiciona-sobre-abstinencia-sexual-e-prevencao-da-gravidez-na-adolescencia/.

[10] Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/ni/02d/sbp-se-posiciona-sobre-abstinen cia-sexual-e-prevencao-da-gravidez-na-adolescencia/. Acesso em: 02/02/2020.

[11] Idem.

[12] Por exemplo o TeenStar, um programa internacional de educação holística em sexualidade humana, que apresenta um novo olhar para a educação da afetividade e sexualidade dos jovens, uma vez que promove a integração da pessoa, nos seus aspectos social, emocional, físico, intelectual e espiritual da própria sexualidade.

[13] Um importante acompanhamento médico realizado por pediatra, a puericultura é a ciência que visa proteger o paciente contra algum agravo que possa interferir em seu desenvolvimento físico e mental. É um trabalho voltado para pacientes com idade entre zero e 19 anos e se difere da consulta tradicional ao pediatra, aquela realizada quando há uma queixa específica. A consulta de puericultura é destinada à avaliação completa do paciente, desde a pesagem, capacidade auditiva e visual até o desenvolvimento neuropsicomotor e da sexualidade. A consulta de puericultura é pautada na premissa de que também compete ao médico pediatra a orientação da família sobre a proteção integral à criança. Além disso, permite uma intervenção mais rápida e eficaz quando identificado algum desvio fora da normalidade na criança ou adolescente. Disponível em: https://www. unimed. coop.br/ web/ blumenau/noticias-unimed1/-/asset_ publisher/ ft Gj CB 8º UL no/ content/consulta-de-puericultura-voce-sabe-o-que-e-. Acesso em: 02/02/2020.

[14]Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22302c-DocCient_-_Abstinencia _sexual_ na_ Adolesc .pdf.  Acesso em: 02/02/2020.

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