Aspectos teóricos e práticos dos impactos do COVID-19 nos contratos de aprendizagem

 

Aspectos teóricos e práticos dos impactos do COVID-19 nos contratos de aprendizagem

Renann Ferreira[1]

A aprendizagem profissional se trata de um contrato de trabalho temporário de natureza especial, com fulcro na Lei 10.097 de 19 de dezembro de 2000, e que possui ramificação legal em diversas searas do direito, entre elas estão: criança e adolescente, trabalho, educação, assistência social e terceiro setor, compondo um longo e complexo arcabouçou jurídico.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED[2] do mês de novembro de 2019, o Paraná possuía até então 24.821 estabelecimentos com potencial de contratação de aprendizes, sendo que para o cálculo da cota contabilizavam-se 1.418.469 empregados, chegando ao percentual mínimo de 5%[3] correspondente a 65.199 vagas. No entanto, no mesmo mês o Estado preenchia apenas 32.067 cotas, ou seja, apenas 49%. Estima-se que das vagas ocupadas, cerca de 15 mil sejam de adolescentes.

No dia 16 de março, momento de incertezas para toda população frente ao inimigo invisível COVID-19, o Ministério Público do Trabalho por meio da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região – Curitiba, expediu a Recomendação nº 44593.2020 ao Fórum de Aprendizagem Profissional do Estado do Paraná recomendando:

A SUSPENSÃO DAS AULAS TEÓRICAS DA APRENDIZAGEM PROFISSIONAL PELO PRAZO DE 15 DIAS E NEGOCIAÇÃO COM EMPRESAS ACERCA DA POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO REMUNERADA DAS ATIVIDADES PRÁTICAS DOS APRENDIZES, PODENDO AS AULAS POSTERIORMENTE SEREM RETOMADAS, OU SE PREFERIREM QUE SIGAM AS DECISÕES DAS ESCOLAS PÚBLICAS, TUDO A FIM DE SE ADOTAR MEDIDAS TEMPORÁRIAS DE PREVENCÃO AO CONTÁGIO DO CORONA VÍRUS.

 

Neste ínterim, não somente as aulas teóricas foram impactadas, mas também as atividades práticas, principalmente para os adolescentes aprendizes, que foram afastados dos locais de trabalho, seguindo as orientações da Nota Técnica Conjunta nº 10/2020 PGT/COORDINFÂNCIA[4].

No mês seguinte, com a edição da Medida Provisória 936 de 1º de abril de 2020 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, foram estabelecidas as medidas de suspensão temporária do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário. Em seu artigo 15, a MP deixa evidente a sua aplicabilidade aos contratos de aprendizagem, ipsis litteris: “o disposto nesta Medida Provisória se aplica aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial”.

A suspensão possibilita a paralisação do contrato de trabalho por até 60 (sessenta) dias. Durante este período, acordado por escrito, o aprendiz passa a receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, igualmente instituído pela MP 936/2020. Já a redução proporcional de trabalho e salário permite que ambos sejam reduzidos em 25%, 50% ou 70% por até 90 (noventa) dias, conforme quadro orientativo elaborado pela Seção de Inspeção do Trabalho no âmbito do Paraná e pertencente ao Ministério da Economia.

Fonte: Orientações sobre os impactos da medida provisória 936 de 01 de abril de 2020 nos contratos de aprendizagem, pág. 02, 2020.

 

Deve-se atentar a três pontos. Primeiro, as medidas podem ser acumuladas – suspensão e redução –, mas juntas não devem ultrapassar o prazo máximo de 90 (noventa) dias. Segundo ponto, tratando-se de adolescente aprendiz o Ministério Público do Trabalho – posicionamento constante na NTC nº 10/2020 PGT/COORDINFÂNCIA – entende pela aplicabilidade da redução apenas nas hipóteses de trabalho remoto ou tele trabalho, devendo ser o adolescente afastado desde logo tanto da atividade teórica quanto da atividade prática. Terceiro ponto, em caso de suspensão do contrato não há de se falar em atividade teórica na modalidade EAD e nem de tele-trabalho ou trabalho remoto, uma vez que não há contraprestação de mão-de-obra nesta modalidade.

Além das hipóteses apresentadas, também foram flexibilizadas a concessão de férias não previstas no contrato de aprendizagem, a antecipação de férias mesmo que o aprendiz não tenha contemplado o período aquisitivo e a concessão de férias coletivas.

Todavia, para além destes dois instrumentos, o Procurador-Geral do Trabalho e a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente-COORDINFÂNCIA do Ministério Público do Trabalho, manifestaram-se por meio da Nota Técnica Conjunta nº 10/2020, pela adoção, preferencialmente, da interrupção do contrato de trabalho dos aprendizes:

I – Deverá haver preferencialmente a interrupção das atividades laborais presenciais dos adolescentes (empregados e aprendizes), garantida a percepção da remuneração contratual, ante o princípio da proteção integral e a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

 

Na interrupção não há paralisação do contrato de trabalho e nem redução da jornada ou do salário. Em outras palavras, os aprendizes estão dispensados de frequentar tanto a atividade prática no estabelecimento contratante quanto a atividade teórica na organização formadora, sem prejuízo de sua remuneração ou a substituição pelo Benefício. Preservam-se todas as cláusulas do contrato de trabalho.

Todas estas medidas acabaram por impactar diretamente, além dos adolescentes e suas famílias, inúmeras vezes a única fonte de rendimento do lar, as organizações da sociedade civil que desenvolvem o programa de aprendizagem, uma vez que estas sobrevivem – ao menos boa parte delas – da taxa cobrada dos estabelecimentos contratantes (empresas) pelos serviços prestados, sejam apenas das aulas ministradas ou também pela contratação indireta, que ocorre quando a organização efetua o registro do aprendiz, assumindo o ônus decorrente da contratação, não afastada a responsabilidade subsidiária pelo estabelecimento responsável pelo cumprimento da cota.

Por mais que recomendações tenham sido expedidas pelo Ministério Público do Trabalho no sentido que os estabelecimentos devem se abster de proceder a rescisão contratual dos aprendizes[5], sob o risco de responder por discriminação, na prática tem se visto diferentes relatos das organizações, e até mesmo no aumento das demandas do Ministério Público do Trabalho, conforme demonstram as imagens a seguir.

    

    Fonte: Ministério Público do Trabalho, redes sociais em 06/05/2020.

 

Pensando em medidas para a manutenção das vagas dos aprendizes e incentivar as futuras contratações, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná – CEDCA/PR aprovou na reunião de 06 de maio de 2020 a destinação de 20 milhões de reais ao Programa Cartão do Futuro Emergencial, bem como 2,5 milhões ao lançamento de edital às organizações da sociedade civil que atuam com aprendizagem, como forma de amenizar os prejuízos que elas vêm sofrendo.

O Cartão do Futuro Emergencial pretende repassar o valor de R$ 300,00 por aprendiz por até noventa dias como forma de subvenção econômica aos estabelecimentos que tenham adolescentes aprendizes contratados. Já para aquelas que pretendem realizar novas contratações, o valor será de R$ 500,00 pelo mesmo prazo. O Programa poderá colaborar para a manutenção das 15 mil vagas ocupadas pelos adolescentes no Estado do Paraná.

Outra frente que vem sendo articulada por alguns membros do Sistema de Garantia de Direitos mostra-se a flexibilização da utilização dos recursos dos fundos, conforme recomendação expedida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

03/04

O CONANDA reitera que:

  1. É permitido, excepcionalmente, o uso de recursos do Fundo dos Direitos das Crianças e Adolescentes para despesas que não se identifiquem diretamente com a realização de seus objetivos ou serviços determinados pela lei que o instituiu, quando conforme artigo 16 da Resolução do CONANDA no 137/2010, sejam cumpridos os requisitos de (i) reconhecimento da situação emergencial ou de calamidade pública amparado em lei, o qual já foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020, (ii) aprovação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e (iii) o processo de liberação por meio de projeto deve atender aos princípios da transparência, legalidade, moralidade, devido processo legal, e ainda, o que estabelece o Regimento Interno do Conselho, para ao final ser publicada a resolução com a decisão que autorizou a utilização do recurso em situações emergenciais.

 

Vale aqui destacar o importante papel dos conselhos de direitos dos municípios, dos estados e nacional, cabendo a eles o direcionamento e a fiscalização dos recursos.

A Comissão da Criança e Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná está acompanhando e subsidiando os debates, evitando, assim, que o adolescente aprendiz se torne uma subcategoria humana de trabalhador e tenha seus direitos e garantias violados.

Neste sentido, no início do mês de junho estaremos realizando uma live para debater este tema. Acompanhe as novidades em nosso Instagram @cca_oabpr.

 

[1] Advogado, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná. doutorando em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Atuou como Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente do Paraná e está Vice-Coordenador do Fórum Estadual de Aprendizagem do Paraná. É co-autor do livro “Aprendizagem Profissional e Direitos Humanos: o direito fundamental dos jovens à profissionalização” pela editora LTR.

[2] Com a entrada do eSocial a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia informou em seu site institucional que nos primeiros meses deste ano identificou a ausência do envio das informações de admissões e demissões por parte das empresas, o que inviabilizou o CAGED e que pode comprometer o monitoramento do mercado de trabalho brasileiro. Informação disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2020/marco/esclarecimento-sobre-a-divulgacao-do-caged>.

[3] Segundo o Manual da Aprendizagem (p. 19, 2014) “a cota de aprendizes está fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, por estabelecimento, calculada sobre o total de empregados cujas funções demandem formação profissional. As frações de unidade darão lugar à admissão de um aprendiz”. Neste sentido, o Paraná poderia triplicar o número de vagas chegando a 195.597 caso todas as empresas cumprissem 15%. Disponível em: <http://www.trabalho.gov.br/images/Documentos/Aprendizagem/Manual_da_Aprendizagem2017.pdf>.

[4] A Nota Técnica Conjunta nº 10/2020 PGT/COORDINFÂNCIA foi emitida em 26/04/2020 atualizando as Notas Técnicas anteriores que saíram sobre o tema.

[5] “Não proceder a rescisão dos contratos de aprendizagem, visto que, consoante disposto no art. 429 e seguintes da CLT, o número de aprendizes deve corresponder proporcionalmente ao número de funcionários, e a dispensa daquele grupo inevitavelmente corresponderá à discriminação no local de trabalho”. Notificação Recomendatória Procedimento nº 000050.2020.09.06/9 da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região – PTM de Foz do Iguaçu/PR.

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